A afeição do Salvador pelo amado discípulo foi correspondida em
toda a força de ardente devoção. João se apegou a Cristo como a vinha se
apega à majestosa coluna. Por amor do Mestre enfrentou os perigos da
sala de julgamento, e permaneceu próximo a cruz; e às novas de que
Cristo havia ressuscitado, apressou-se a ir ao sepulcro, e em seu zelo
levou a dianteira mesmo ao impetuoso Pedro.
O confiante amor e devoção altruísta manifestados na vida e no
caráter de João apresentam lições de grande valor para a igreja cristã.
João não possuía por índole a amabilidade de caráter que sua experiência
posterior revelou. Ele tinha, por natureza, graves defeitos. Não
somente era orgulhoso, presumido e ambicioso de honras, mas impetuoso e
vingativo quando injuriado. Ele e seu irmão eram chamados “filhos do
trovão”. Marcos 3:17.
O mau gênio, o desejo de vingança, o espírito de crítica, tudo isso se
encontrava no discípulo amado. Mas atrás dessas coisas o divino Mestre
viu o ardente, sincero e amante coração. Jesus repreendeu seu egoísmo,
desapontou suas ambições, provou-lhe a fé. Mas revelou-lhe o que sua
alma almejava — a beleza da santidade, o transformador poder do amor.
Os defeitos do caráter de João revelaram-se fortemente em várias
ocasiões durante sua associação pessoal com o Salvador. Uma vez, Cristo
enviou mensageiros diante dEle a uma vila dos samaritanos, pedindo ao
povo para preparar hospedagem para Si e Seus discípulos. Mas quando o
Salvador Se aproximou da cidade, manifestou desejo de prosseguir para
Jerusalém. Isso despertou a inveja dos samaritanos, e em vez de
convidá-Lo para permanecer com eles, recusaram-Lhe a cortesia que teriam
dispensado a um viajante comum. Jesus jamais impôs Sua presença a quem
quer que seja, e os samaritanos perderam a bênção que teriam recebido,
caso O tivessem convidado a ser seu hóspede.
Os discípulos sabiam que era propósito de Cristo abençoar os
samaritanos mediante Sua presença; e a frieza, a inveja, o desrespeito
mostrados para com seu Mestre encheu-os de surpresa e indignação. Tiago e
João especialmente se agitaram. Que Aquele a quem tão altamente
reverenciavam fosse assim tratado, parecia-lhes falta demasiado grave
para ficar sem imediata punição. Em seu zelo disseram: “Senhor, queres
que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?” (Lucas 9:54)
referindo-se à destruição dos capitães samaritanos e seus soldados
enviados para buscar o profeta Elias. Ficaram surpresos ao verem que
Jesus Se molestara com suas palavras, e mais surpresos ficaram ainda
quando Sua reprovação lhes alcançou os ouvidos: “Vós não sabeis de que
espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas
dos homens, mas para salvá-las”. Lucas 9:54-56.
Não faz parte da missão de Cristo compelir as pessoas a recebê-Lo.
É Satanás, e homens manejados por seu espírito, que procuram forçar a
consciência. Sob pretenso zelo pela justiça, homens confederados com
anjos maus levam algumas vezes o sofrimento a seus semelhantes para
convertê-los a suas idéias de religião; mas Cristo está sempre mostrando
misericórdia, sempre procurando salvar pela revelação de Seu amor. Ele
não admite rival no coração, nem aceita serviço parcial; deseja somente
serviço voluntário, voluntária entrega do coração constrangido pelo
amor.
Em outra ocasião, Tiago e João apresentaram por intermédio de sua
mãe um pedido para que lhes fosse permitido ocupar a mais alta posição
de honra no reino de Cristo. Não obstante a repetida instrução de Cristo
com respeito à natureza de Seu reino, esses jovens discípulos ainda
acariciavam a esperança por um Messias que tomasse Seu trono e real
poder de acordo com os desejos humanos. A mãe, cobiçando juntamente o
lugar de honra nesse reino para seus filhos, suplicou: “Dize que estes
meus dois filhos se assentem um à Tua direita e outro à Tua esquerda, no
Teu reino”. Mateus 20:21.
O Salvador, porém, respondeu: “Não sabeis o que pedis; podeis vós
beber o cálice que Eu hei de beber, e ser batizados com o batismo com
que Eu sou batizado?” Mateus 20:22.
Eles recordaram Suas misteriosas palavras que indicavam prova e sofrimento, contudo responderam confiantes: “Podemos” Consideravam eles a mais alta honra provar sua lealdade partilhando de tudo o que sobreviesse a seu Senhor.
Eles recordaram Suas misteriosas palavras que indicavam prova e sofrimento, contudo responderam confiantes: “Podemos” Consideravam eles a mais alta honra provar sua lealdade partilhando de tudo o que sobreviesse a seu Senhor.
“Na verdade bebereis o Meu cálice”, declarou Cristo — diante dEle
uma cruz em vez de um trono, Seus companheiros dois malfeitores, um a
Sua direita e o outro a Sua esquerda. Tiago e João deviam ser
participantes com seu Mestre no sofrimento — um, destinado à própria
morte pela espada; o outro, o que dentre os discípulos por mais tempo
devia seguir seu Mestre em trabalho, injúria e perseguição. “Mas o
assentar-se à Minha direita ou à Minha esquerda”, continuou Jesus, “não
Me pertence dá-lo, mas é para aqueles para quem Meu Pai o tem
preparado”. Mateus 20:23.
Jesus compreendeu o motivo que animava o pedido, e assim reprovou o
orgulho e ambição dos dois discípulos: “Bem sabeis que pelos príncipes
dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade
sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre
vós fazer-se grande seja o vosso serviçal; e qualquer que entre vós
quiser ser o primeiro seja vosso servo; bem como o Filho do homem não
veio para ser servido, mas para servir, e para dar a Sua vida em resgate
de muitos”. Mateus 20:25-28.
Não se alcança posição no reino de Deus mediante favoritismo. Não é
adquirida nem recebida mediante concessão arbitrária. É o resultado do
caráter. A coroa e o trono são a prova de uma condição conquistada —
prova do domínio do eu por meio da graça de nosso Senhor Jesus Cristo.
Muito tempo depois, quando João havia sido levado à apreciação de
Cristo mediante participação nos Seus sofrimentos, o Senhor Jesus lhe
revelou a condição de estar perto de Seu reino. “Ao que vencer”, disse
Cristo, “lhe concederei que se assente comigo no Meu trono; assim como
Eu venci, e Me assentei com Meu Pai no Seu trono”. Apocalipse 3:21.
Aquele que permanece mais próximo de Cristo é o que tem bebido mais
profundamente de Seu espírito de amor que vai ao sacrifício — amor que
“não trata com leviandade, não se ensoberbece... não busca os seus
interesses, não se irrita, não suspeita mal” (1 Coríntios 13:4, 5)
— amor que atua no discípulo, como atuou em nosso Senhor, levando-O a
dar tudo, a viver, a trabalhar e sacrificar-Se até à própria morte, pela
salvação da humanidade.
Em outra ocasião, durante suas primeiras atividades
evangelísticas, Tiago e João encontraram alguém que, embora não fosse
reconhecido seguidor de Cristo, estava expulsando demônios em Seu nome.
Os discípulos proibiram-no de fazê-lo, e julgaram que estavam certos
assim procedendo. Mas quando expuseram o assunto a Cristo, Ele os
reprovou, dizendo: “Não lho proibais; porque ninguém há que faça
milagres em Meu nome e possa logo falar mal de Mim”. Marcos 9:39.
Ninguém que se mostre de alguma maneira amigo de Cristo deve ser
repudiado. Os discípulos não deviam acariciar um espírito estreito,
exclusivista, mas sim manifestar a mesma profunda simpatia que tinham
visto na vida de seu Mestre. Tiago e João haviam pensado que proibindo
este homem estavam tendo em conta a honra do Senhor; mas começavam a ver
que o que tinham era ciúme do que era seu. Reconheceram seu erro e
aceitaram a reprovação.
As lições de Cristo apresentando a mansidão, humildade e amor como
essenciais ao crescimento na graça e como condição para Seu trabalho,
foram do mais alto valor para João. Ele entesourou cada lição, e
constantemente procurou levar sua vida em harmonia com o divino padrão.
João tinha começado a discernir a glória de Cristo — não a pompa e o
poder terrenos que tinha sido ensinado a esperar, mas “a glória do
Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. João 1:14.
A fervente e profunda afeição de João por seu Mestre não era a
causa do amor de Cristo por ele, mas o efeito desse amor. João desejava
tornar-se semelhante a Jesus; e sob a transformadora influência do amor
de Cristo, tornou-se manso e meigo. O eu estava escondido em Jesus. Mais
que todos os seus companheiros, João se rendeu ao poder dessa
extraordinária vida. Diz ele: “Porque a vida foi manifestada, e nós a
vimos”. 1 João 1:2. “E todos nós recebemos também da Sua plenitude, e graça por graça”. João 1:16.
João teve do Salvador um conhecimento experimental. As lições de seu
Mestre ficaram-lhe gravadas na mente. Quando testificava da graça do
Salvador, sua linguagem simples tornava-se eloqüente com o amor que lhe
permeava todo o ser.
Foi o profundo amor de João por Cristo que o levou a desejar estar
sempre a Seu lado. O Salvador amava todos os doze, mas o espírito de
João era mais receptivo. Ele era mais jovem que os outros, e com
confiança mais que infantil abria o coração a Jesus. Assim, ligou-se por
maior afeição a Cristo, e por meio dele os mais profundos ensinos
espirituais do Salvador foram comunicados ao povo.
Jesus ama aos que representam o Pai, e João podia falar do amor do
Pai como nenhum outro discípulo poderia fazê-lo. Ele revelou a seus
semelhantes o que sentia no coração, representando em seu caráter os
atributos de Deus. A glória do Senhor se revelava em sua face. A beleza
da santidade que o havia transformado irradiava de seu semblante com a
glória de Cristo. Com adoração e amor contemplou ele o Salvador até que
assemelhar-se a Ele e com Ele familiarizar-se, tornou-se-lhe o único
desejo, e em seu caráter se refletia o caráter de seu Mestre.
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