Saulo tinha
tomado parte de destaque no julgamento e condenação de Estêvão, e a
impressionante evidência da presença de Deus com o mártir o deixara em dúvida
quanto à justiça da causa que ele havia assumido contra os seguidores de Jesus.
Sua mente estava profundamente agitada. Em sua perplexidade, consultou aqueles
em cuja sabedoria e juízo tinha plena confiança. Os argumentos dos sacerdotes e
príncipes convenceram-no, afinal, de que Estêvão fora um blasfemo, que o Cristo
que o discípulo martirizado pregara fora um impostor e que tinham forçosamente
de ter razão esses que ministravam no santo serviço.
Não foi sem
um rigoroso exame que Saulo chegou a essa conclusão. Mas, afinal, sua educação,
seus preconceitos, seu respeito para com os mestres antigos, e seu orgulho e
popularidade deram-lhe força para rebelar-se contra a voz da consciência e a
graça de Deus. E, resolvido plenamente a dar razão aos sacerdotes e escribas,
Saulo fez acérrima oposição às doutrinas ensinadas pelos discípulos de Jesus.
Sua atividade, fazendo com que homens santos e santas mulheres fossem arrastados
perante os tribunais, onde alguns eram condenados à prisão, e outros à morte,
unicamente por causa de sua fé em Jesus, trouxe tristezas e pesares à igreja
recém organizada, e fez muitos buscarem segurança na fuga.
Os que
foram expulsos de Jerusalém por essa perseguição “iam por toda a parte,
anunciando a Palavra”. Atos 8:4. Entre as cidades para as quais foram,
achava-se Damasco, onde a nova fé ganhou muitos conversos.
Os
sacerdotes e príncipes tinham esperado que, por um esforço vigilante e severa
perseguição, a heresia pudesse ser suprimida. Compreendiam agora que deveriam
prosseguir em outros lugares com as medidas decisivas tomadas em Jerusalém
contra o novo ensino. Para o trabalho especial que desejavam fosse feito em
Damasco, Saulo ofereceu sua ajuda: “Respirando ainda ameaças, e mortes contra
os discípulos do Senhor”, ele “dirigiu-se ao sumo sacerdote, e pediu-lhe cartas
para Damasco para as sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns daquela
seita, quer homens quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém”. Atos 9:1, 2. Assim, “com poder e comissão dos
principais dos sacerdotes” (Atos 26:12),
Saulo de Tarso, e usando de toda a força e vigor, e ardendo em um zelo
equivocado, pôs-se a caminho naquela memorável jornada, cujas estranhas
ocorrências deveriam mudar todo o curso de sua vida.
No último
dia da viagem, “ao meio-dia” (Atos 26:13),
quando os cansados viajantes se aproximavam de Damasco, seus olhos contemplaram
o cenário de amplas extensões de terras férteis, belos jardins e pomares
frutíferos, banhados pelas refrigerantes correntes das montanhas ao redor.
Depois da longa viagem por áreas desoladas, tais cenas eram na verdade
aprazíveis. Enquanto Saulo e seus companheiros se deleitavam na contemplação da
planície frutífera e da bela cidade abaixo, “subitamente” (Atos 9:3), como ele mais tarde declarou, “envolveu a
mim e aos que iam comigo” “uma luz do céu, que excedia o esplendor do Sol” (Atos 26:13), por demais gloriosa para que os olhos
mortais a suportassem. Cego e desorientado, Saulo caiu prostrado ao chão.
Enquanto a
luz continuava a resplandecer em redor deles, Saulo ouviu “uma voz que...
falava... em língua hebraica” (Atos 26:14), e
“que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que Me persegues? E Ele disse: Quem és,
Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro é para ti
recalcitrar contra os aguilhões”. Atos 9:4, 5. Cheios de temor e quase cegados pela
intensidade da luz, os companheiros de Saulo ouviram a voz, mas a ninguém
viram. Saulo, porém, compreendeu as palavras que foram faladas; e a ele
claramente foi revelado Aquele que falou, a saber, o Filho de Deus. No Ser
glorioso que estava diante dele, viu o Crucificado. Na mente do judeu surpreso,
a imagem do rosto do Salvador ficou gravada para sempre. As palavras faladas
lhe atingiram o coração com terrível força. Nos entenebrecidos recessos do
espírito derramou-se-lhe uma inundação de luz, revelando a ignorância e o erro
de sua vida anterior e sua presente necessidade de esclarecimento do Espírito
Santo.
Saulo viu
agora que, ao perseguir os seguidores de Jesus, em realidade tinha estado a
fazer a obra de Satanás. Viu que suas convicções do direito e de seu próprio
dever tinham estado grandemente baseadas em sua implícita confiança nos
sacerdotes e príncipes. Tinha crido neles quando lhe afirmaram que a história
da ressurreição de Cristo fora um artifício forjado
pelos discípulos. Agora que o próprio Jesus Se lhe revelara, Saulo estava
convencido da veracidade das reivindicações feitas pelos discípulos.
Naquela
hora de iluminação celestial, o espírito de Saulo agiu com notável rapidez. Os
registros proféticos das Escrituras Sagradas abriram-se-lhe à compreensão. Viu
que a rejeição de Jesus pelos judeus, Sua crucifixão, ressurreição e ascensão,
tinham sido preditas pelos profetas e demonstravam ser Ele o Messias prometido.
O sermão de Estêvão, por ocasião de seu martírio, foi de maneira impressiva
trazido à lembrança de Saulo, e ele compreendeu que o mártir sem dúvida contemplava
“a glória de Deus”, quando disse: “Eis que vejo os Céus abertos, e o Filho do
homem, que está em pé à mão direita de Deus”.Atos 7:55, 56. Os sacerdotes tinham declarado
blasfemas essas palavras, mas Saulo agora sabia que elas eram verdade.
Em tudo
isso, que revelação para o perseguidor! Saulo sabia, agora com certeza, que o
prometido Messias viera à Terra na pessoa de Jesus de Nazaré, que fora
rejeitado e crucificado por aqueles a quem viera salvar. Sabia também que o
Salvador ressurgira triunfalmente do túmulo e ascendera ao Céu. Naquele momento
de revelação divina, Saulo lembrou-se com terror de que Estêvão, que dera
testemunho de um Salvador crucificado e ressuscitado, fora sacrificado com seu
consentimento, e que, mais tarde, por seu intermédio, muitos outros dignos
seguidores de Jesus haviam encontrado a morte pela perseguição cruel.
O Salvador
falara a Saulo por intermédio de Estêvão, cujo claro raciocínio não pôde ser
contraditado. O erudito judeu tinha visto a face do mártir refletindo a luz da
glória de Cristo, sendo sua aparência “como o rosto de um anjo”. Atos 6:15. Testemunhara sua clemência pelos inimigos
e o perdão que lhes concedera. Tinha testemunhado também a decidida e até
alegre resignação de muitos de cujo tormento e aflição tinha sido causa. Tinha
visto alguns deporem a própria vida com regozijo, por amor de sua fé.
Todas essas
coisas tinham apelado altamente a Saulo, e, às vezes, se lhe alojara na mente
uma quase avassaladora convicção de que Jesus era o prometido Messias. Nessas
ocasiões, ele havia lutado noites inteiras contra essa convicção, e sempre
terminara por manter a crença de que Jesus não era o Messias, e que Seus
discípulos eram fanáticos iludidos.
Agora,
Cristo falara a Saulo com Sua própria voz, dizendo: “Saulo, Saulo, por que Me
persegues?” E a interrogação: “Quem és, Senhor?” foi respondida pela mesma voz:
“Eu sou Jesus, a quem tu persegues”. Atos 9:4, 5. Cristo aqui Se identifica com Seu povo.
Perseguindo os seguidores de Jesus, Saulo tinha batalhado diretamente contra o
Senhor do Céu. Em os acusar falsamente, e falsamente testificar contra eles,
havia acusado falsamente a Jesus e falsamente testificado contra o Salvador do
mundo.
Nenhuma dúvida assaltou a mente de Saulo quanto a ser Aquele que lhe falara Jesus de Nazaré, o tão longamente esperado Messias, a consolação e redenção de Israel. “E ele, tremendo e atônito”, perguntou: “Senhor, que queres que faça? E disse-lhe o Senhor: Levanta-te, e entra na cidade, e lá te será dito o que te convém fazer”. Atos 9:6.
Quando se
retirou a glória e Saulo se levantou do chão, achou-se completamente despojado
da visão. O brilho da glória de Cristo fora por demais intenso para seus olhos
mortais e, desaparecido esse brilho, a escuridão da noite invadiu-lhe a visão.
Ele creu que essa cegueira era um castigo divino por sua cruel perseguição aos
seguidores de Jesus. Em terríveis trevas tateava em torno, e seus companheiros,
em temor e pasmo “guiando-o pela mão, o conduziram a Damasco”. Atos 9:8.
Na manhã
desse acidentado dia, Saulo tinha-se aproximado de Damasco com sentimentos de
presunção por causa da confiança nele depositada pelos principais dos
sacerdotes. Havia sido confiada a ele grande responsabilidade. Fora
comissionado para promover os interesses da religião judaica, impedindo, se
possível, a disseminação da nova fé em Damasco. Determinara que sua missão
seria coroada de êxito e, com ávida antecipação, olhava as experiências que o
aguardavam.
Quão
diferente do que imaginara foi sua entrada na cidade! Ferido de cegueira,
desorientado, torturado pelo remorso, não sabendo se outros juízos o aguardavam
ainda, procurou ali a casa do discípulo Judas, onde, em solidão, teve ampla
oportunidade para refletir e orar.
Saulo
“esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu”. Atos 9:9. Esses dias de íntima agonia tiveram para
ele a duração de anos. Vezes sem conta ele recordava, com o espírito
angustiado, a parte que tinha desempenhado no martírio de Estêvão. Com horror,
pensava em sua culpa por se haver deixado controlar pela maldade e preconceito
dos sacerdotes e príncipes, mesmo quando a face de Estêvão fora iluminada pelas
radiações do Céu. Com o espírito triste e quebrantado, reconsiderou as inúmeras
vezes que tinha fechado os olhos e os ouvidos às mais tocantes evidências, e
persistentemente incrementara a perseguição aos crentes em Jesus de Nazaré.
Esses dias
de exame de consciência e humilhação do coração foram passados em reclusão íntima.
Os crentes, tendo sido advertidos dos propósitos de Saulo em vir a Damasco,
temiam estivesse ele fingindo, para mais facilmente iludi-los; e se mantinham
arredios, recusando-lhe sua simpatia. Ele não desejava apelar aos judeus não
convertidos, aqueles com quem planejara unir-se na perseguição aos crentes;
pois sabia que nem sequer dariam ouvidos a sua história. Assim, parecia-lhe
estar separado de toda a simpatia humana. Sua única esperança de ajuda estava
no misericordioso Deus, e para Ele apelou com o coração quebrantado.
Durante as
longas horas em que Saulo estivera fechado a sós com Deus, relembrou muitos
textos das Escrituras referentes ao primeiro advento de Cristo. Com a memória
aguçada pela convicção de que estava possuído, cuidadosamente seguiu o fio das
profecias. Ao refletir no significado dessas profecias, ficou pasmado ante a
cegueira de entendimento de que
estivera possuído, bem como a dos judeus em geral, que os levara à rejeição de
Jesus como o Messias prometido. A sua iluminada visão, tudo agora parecia
claro. Sabia que seu anterior preconceito e incredulidade tinham-lhe
obscurecido a percepção espiritual, impedindo-o de discernir em Jesus de Nazaré
o Messias da profecia.
Ao
render-se Saulo inteiramente ao convincente poder do Espírito Santo, viu os
erros de sua vida e reconheceu a amplitude dos reclamos da lei de Deus. Aquele
que fora um orgulhoso fariseu, confiante na justificação por suas boas obras,
curvou-se, então, perante Deus com a humildade e simplicidade de uma
criancinha, confessando sua indignidade e pleiteando os méritos de um Salvador
crucificado e ressurgido. Saulo ansiava por entrar em inteira harmonia e
comunhão com o Pai e o Filho; e na intensidade de seu desejo de perdão e
aceitação, elevou ferventes súplicas ao trono da graça.
As orações
do penitente fariseu não foram em vão. Os mais secretos pensamentos e emoções
de seu coração foram transformados pela divina graça; e Suas nobres faculdades
foram postas em harmonia com os eternos propósitos de Deus. Cristo e Sua
justiça passaram a representar para Saulo mais que o mundo inteiro.
A conversão
de Saulo é notável evidência do miraculoso poder do Espírito Santo para
convencer os homens do pecado. Ele havia crido que, de fato, Jesus de Nazaré
havia desconsiderado a lei de Deus, ensinando aos Seus discípulos ser a mesma
de nenhum valor. Mas, depois de sua conversão, Saulo tinha reconhecido Jesus de
Nazaré como Aquele que viera ao mundo com o propósito expresso de defender a
lei de Seu Pai. Estava convencido de que Jesus fora o originador de todo o
sistema judaico de sacrifícios. Viu que o tipo da crucificação tinha encontrado
o antítipo; que Jesus havia cumprido as profecias do Antigo Testamento,
concernentes ao Redentor de Israel.
No relato
da conversão de Saulo, encontramos importantes princípios que devemos sempre
ter em mente. Saulo foi levado diretamente à presença de Cristo. Foi uma pessoa
designada por Cristo para uma importantíssima obra, alguém que seria “um vaso
escolhido” (Atos 9:15), para
Ele; no entanto, o Senhor não lhe disse imediatamente qual era a obra para ele
designada. Embargou-lhe o caminho e convenceu-o do pecado; e quando Saulo
perguntou: “Que queres que faça?” (Atos 9:6) o Salvador colocou o indagador judeu em
contato com Sua igreja, para que obtivesse o conhecimento da vontade de Deus em
relação a ele.
A
maravilhosa luz que iluminara as trevas de Saulo era obra do Senhor; mas havia
também um trabalho a ser feito em favor dele pelos discípulos. Cristo tinha
realizado a obra de revelação e convicção. Agora, o penitente estava em
condições de aprender daqueles a quem o Senhor tinha ordenado que ensinassem a
Sua verdade.
Enquanto em
recolhimento na casa de Judas, Saulo continuava em oração e súplica, o Senhor
apareceu em visão a “certo discípulo” em Damasco, “chamado Ananias”,
dizendo-lhe que Saulo de Tarso estava orando e necessitava de auxílio.
“Levanta-te, e vai à rua chamada Direita,” disse o mensageiro celestial, “e
pergunta em casa de Judas por um homem de Tarso chamado Saulo; pois eis que ele
está orando; e numa visão ele viu que entrava um homem chamado Ananias, e punha
sobre ele a mão, para que tornasse a ver”. Atos 9:10-12.
Ananias mal
podia crer nas palavras do anjo; pois a notícia da tenaz perseguição aos santos
em Jerusalém tinha-se espalhado amplamente. Atreveu-se a argumentar: “Senhor, a
muitos ouvi acerca deste homem, quantos males tem feito aos Teus santos em
Jerusalém; e aqui tem poder dos principais dos sacerdotes para prender a todos
os que invocam o Teu nome” Mas a ordem foi imperativa: “Vai, porque este é para
Mim um vaso escolhido, para levar o Meu nome diante dos gentios, e dos reis e
dos filhos de Israel”. Atos 9:13-15.
Obediente à
orientação do anjo, Ananias saiu em busca do homem que ainda pouco antes havia
respirado ameaças contra todos os que criam no nome de Jesus; e colocando as
mãos sobre a cabeça do penitente sofredor, disse: “Irmão Saulo, o Senhor Jesus,
que te apareceu no caminho por onde vinhas, me enviou, para que tornes a ver e
sejas cheio do Espírito Santo. E logo lhe caíram dos olhos como que umas
escamas, e recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado”. Atos 9:17, 18.
Dessa
maneira confirmou Jesus a autoridade de Sua igreja organizada, e pôs Saulo em
contato com Seus instrumentos apontados na Terra. Cristo tinha, agora, uma
igreja como Sua representante na Terra, e a ela pertencia a obra de dirigir os
pecadores arrependidos no caminho da vida.
Muitos têm
a idéia de que são responsáveis somente a Cristo pela luz e experiência que
possuem, independentemente de Seus reconhecidos seguidores na Terra. Jesus é o
Amigo dos pecadores, e Seu coração se confrange por seu infortúnio. Ele possui
todo o poder, tanto no Céu como na Terra; mas respeita os meios por Ele
ordenados para o esclarecimento e salvação das pessoas; dirige os pecadores
para a igreja por Ele feita instrumento de luz para o mundo.
Quando,
em meio ao seu erro e cego preconceito, Saulo recebeu uma revelação de Cristo,
a quem estava perseguindo, foi ele colocado em comunicação direta com a igreja,
a qual é a luz do mundo. Nesse caso, Ananias representava Cristo, como
representa também os ministros de Cristo sobre a Terra, os quais são indicados
para agir em Seu lugar. No lugar de Cristo, Ananias tocou os olhos de Saulo
para que ele recobrasse a visão. Em lugar de Cristo, colocou suas mãos sobre
ele, e enquanto orava em nome de Cristo, Saulo recebeu o Espírito Santo. Tudo
foi feito no nome e pela autoridade de Cristo. Cristo é a fonte; a igreja, o
canal de comunicação.
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